A Saúde pode ser negócio?

Há quem defenda que o monopólio da saúde deva sair da esfera do estado, podendo passar este a ser apenas regulador de uma concorrência entre privados que melhoraria os serviços em Portugal.

A saúde, sendo um "negócio" onde o cliente quer regressar o menos possível distingue-se p.e. da educação onde o cliente passa por lá porque quer e com tempos pré-determinados.

O dono de um negócio, quer que o cliente regresse potencialmente mais vezes que o necessário e adquira bens ou serviços potencialmente mais do que os necessários.

Se a saúde não for um negócio e, ao invés, tivermos profissionais interessados em prevenção e querer reduzir os seus clientes e reduzir custos, faz muito, mas muito mais sentido que ter um modelo que faz dinheiro com a desgraça das pessoas.

Um médico no público que ganhe o mesmo quer trabalhe muito ou pouco, vai ter incentivos para reduzir a quantidade de vezes que as mesmas pessoas lhe aparecem no consultório.

Os privados fazem sentido co-existir para puxar por algumas melhorias como qualidade de apresentação, tacto ao falar com as pessoas que garanta humanismo no contacto, imagem que passa, etc.

O público tem que ser o grande bloco que dá o tom correcto de longo prazo ao sistema (estilo de vida correcto (saúde e financeiro) das pessoas), bem como de curto prazo como p.e. não passar exames desnecessários, ou muito pior: operações que apenas servem para sacar dinheiro e colocar em risco as pessoas, incluindo crianças pequenas como sei de casos na primeira pessoa.

Para além de que a lógica de melhorar via concorrência considera que os utilizadores irão fazer escolhas boas e encaminhar as seguradoras e serviços privados no melhor caminho. O que pressupõe que as escolhas serão sempre racionais e as pessoas têm tempo de analisar os contractos e todos os casos extremos (raros de ocorrer) que devemos, como estado, precaver. Ou pressupõe que o estado irá vigiar todas as cláusulas particulares feitas por as várias entidades: é sempre mais fácil se forem directamente regidas pelo próprio estado.

Ao liberalizar a saúde, estamos a tornar algo que não é um negócio em algo que é. Ou seja, todos os prestadores terão o incentivo de fazer o utente gastar mais dinheiro (enquanto que no SNS tem o incentivo de o fazer gastar menos). E quem diz gastar mais dinheiro, diz serem operados a coisas que não precisam ou no pior dos casos piorarem a saúde dos utentes para os manter como clientes.

É também muito fácil haver cartelização quer de práticas quer de preços: É fácil verificar os custos de saúde dos EUA para confirmar esta situação: gastam muito mais dinheiro em saúde que nós pelos mesmos serviços. Também nos EUA se chegou à conclusão que a maioria das pessoas escolhem um seguro muito pouco optimizado para elas.

Os preços galopam para cima muito mais quando temos um sistema com retroalimentação positiva e que ocultam valores dos actos médicos (seguros).

O sistema via seguros é bom de ver que não está suficientemente bem pensado , também devido à prática comum de não declarar problemas de saúde pré existentes. Como é que mentir pode ser aceitável e recomendado por medidores de seguros? Provavelmente porque o sistema não faz sentido tal como está.

O SNS é a nossa base de saúde e deve assim permanecer. Com previdência dos azares que nenhuma seguradora poderia suportar, e a suportar os casos de "pré-existências".

É um monopólio mas a sua gestão pode ser alterada com pressão da cidadania e no limite do voto em democracia, e além disso mais vale mal gerido mas com bom intuito que bem gerido mas montado numa base-modelo errada. Isto é, eficácia e muito mais importante que eficiência.

É bom para todos (excepto eventualmente para as empresas privadas de saúde) que o SNS seja tendencialmente melhor. O facto de toda a gente estar dentro deste sistema significa que é um seguro de saúde muito grande, com a lei dos grandes números a ajudar na sua estabilidade.

Fonte: 

. The Economist

. Freakanomics - min.29 : US health system focus more on procedures and tests rather than conversation and prevention