O falso dilema: Por Que Cooperação é a Base e Concorrência o Motor
"O sistema é maior que a soma das partes."
Em colectivo consegue-se abundância que ninguém em particular sabe ou consegue fazer sozinho.
Um óptimo exemplo é: como um lápis é construído?
Temos o conto americano "I, Pencil" [1] que explica que é preciso mineiros, lenhadores, camionistas, fábricas, etc. Nenhuma pessoa conseguiria fabricar um lápis sozinha. O mercado livre trata de coordenar os inúmeros especialistas de toda a cadeia de distribuição.
Na altura da guerra fria foi usado como propaganda anti-comunista, ao mostrar que a iniciativa privada é quem é responsável por cada parte da operação de criar um lápis. Concorrência é boa porque obriga a optimizar e especializar (eficiência) a um nível sobre-humano. [4]Contudo, é ainda preciso estradas e sistema de energia (que só fazem sentido coletivas), educação subsidiada publicamente (ou se preferirem comunitáriamente) para pelo menos os trabalhadores de famílias pobres, serviços de saúde (com foco em prevenir doença para termos mais trabalhadores saudáveis, reduzindo na verdade o influxo de clientes), legislação bem pensada e mantida para haver confiança no sistema, tribunais e polícia para garantir o cumprimento das regras (como propriedade privada), exército para garantir a estabilidade, etc. Cooperação é boa porque significa que temos um entendimento (deliberado ou emergente): e um consenso em algo básico é eficácia! [4]
Assim, a competição não é o oposto de cooperação, mas sim complementar.[4]
Fica ainda a nota que existe também cooperação entre empresas (ex: criação de standards, alguns casos de mercado) e competição no público (ex: concursos).
A longo prazo, eficácia (estratégia ideal) come eficiência (operacionalidade ideal) ao pequeno-almoço:
Podemos ter uma criança a brincar cada vez mais eficientemente a levar baldes de água de um lado para o outro, mas se não houver um adulto a indicar que já chega de água, nunca se irá construir o castelo na praia.
A curto prazo, eficiência (operacionalidade ideal) come eficácia (estratégia ideal) ao pequeno-almoço: Podemos ter um adulto a planear meticulosamente a construção do castelo de areia, mas se uma criança não agir rapidamente para levar os baldes de água e a maré estiver a subir, o castelo será arrastado pelo mar antes mesmo de começar a ser construído.
A base de uma sociedade de sucesso (próspera e estável) é assim, como argumentado pelo prémio Nobel de Economia de 2024: boas instituições públicas [2]. Boas significa que as pessoas têm confiança suficiente nelas. Confiança advém tipicamente de serem inclusivas e dentro de democracia. Pois democracia representa um rejuvenescimento constante (ao contrário de instituições exclusivas que servem uma elite autocrática). O laureado Robinson, com base em padrões históricos dos seus estudos, indicou que são também mais sustentáveis, no sentido que ditaduras são sempre sol de pouca dura (60 anos no máximo). [3] Vamos ver agora como aguentam os estilos governamentais da China e Singapura...
O estudo dos 3 laureados revela ainda que o ideal é dar voz aos cidadãos (inciativa privada) através destas intituições [3]. Isto porque Estratégia sem operacionalidade é apenas sonho (para além de operacionalidade sem estratégia é pesadelo).
Tudo o que nos é gratuito foi devido ao trabalho de alguém. Este alguém foi a natureza que é de si generosa, e os nossos antepassados que nos deixaram uma construção civilizacional que ainda gera lucro mesmo sem trabalho adicional.
Temos contudo de saber, pelo menos, manter o que temos de bom (conservadorismo), eliminando práticas obsoletas, desperdício e repensando de primeiros principios (havendo consenso de quais são e não bota-abaixismo) (progressismo), de forma a manter as nossas bases vigorosas.
Para cobrir todas estas necessidades precisamos de diferentes tipos de pessoas:
Alta frequência: possivelmente a maioria da população, os mais jovens e mulheres inclinam-se para este estado que vive no senso comum dentro da norma (e detecta e denuncia anómalias); vive para o momento, gosta de ação ("como" e "quando"?) e logo pensa e reage rapidamente, pensa mais a curto prazo; a sua visão do mundo é filtrada para estar atenta às ondas curtas da história, focando-se em cada batalha; quer trabalhar, ganhar e consumir o mais possível. Vai atrás da cenoura e como tal arrisca para petiscar; luta ou foge (fight or flight) quando não sabe como reagir. Dados os picos, cansa-se mais durante o dia por isso precisa de momentos de desligar o cérebro; toma ações com resultados rapidamente mensuráveis para corrigir rapidamente o caminho a seguir (agile). Foco nas pessoas e materiais para estas. O ego toma um papel importante, e sendo orientado a pessoas, é mais empáticos às emoções dos outros e a jogar com estas; gosta assim de novelas e jogos de poder (procura como navegar melhor no sistema) e é também o que dá apoio a quem sofre no momento (caridade), embora não queira dar uma base de apoio indiscriminada em continuo (pois rede de segurança remove o risco que motiva ao trabalho). Considera que quem erra deve ser penalizado. Mais extrovertido, sente mais necessidade de socializar e pertencer a um grupo específico. Mais confiante, corrige e ensina os outros em 1⁰. Valoriza mais a rapidez em dar uma crítica e fazer justiça na hora que a qualidade desta, pois adiando muitas vezes acaba por não se fazer ou ser demasiado tardia para uma dada pessoa. Precisa e gosta de ter certezas. Por um lado precisa que haja certas regras rígidas para haver mais controlo para conseguir os objectivos, por outro precisa que não haja certas regras para conseguir inovar; precisa de se promover e dotar de capacidade de markting e assertividade, pensando mais em mentalidade de modo fechado e win-lose (podendo fazer mal às outras para ganhos próprios embora com o cuidado dos meios a usar; pode ficar lose-lose no longo prazo). Se detecta corrupção, quer corrigí-la compensado com o desvio inverso. É o estado que efectivamente produz riqueza e não espera que as pessoas melhorem, trabalhando com o que tem à vista. Quer poder, centralizando-o em si. É o especialista em determinada àrea que é bom para actuar em concorrência (com tendência de tentar ganhar monópolio privado e denunciar monópolios públicos) e é o importante bombeiro que nos salva do fogo, olhando para o mundo prático real (fechar assuntos o mais rapidamente possível) e os seus prazos de tempo e limites de recursos. Toma o futuro por garantido. É o operacional que mede a realidade empiricamente. Como é mais inconformado e ambicioso, por vezes é ele que cria o fogo, como efeito secundário ou erro de caminho; não sendo suficientemente conservador. É um estado em que se teme a morte (dele e dos outros) porque se ama a vida tal como ela é, e se quer vencer na vida.Baixa frequência: provavelmente para onde os mais velhos e homens tendem mais e estado ao qual me costumo inclinar; vive a planear o futuro, gostando de paz, não se preocupa com os detalhes imediatos, mas sim com os detalhes e implicações a longo prazo (cobrindo todos os casos extremos e fora de senso comum, e contruíndo as pontes necessárias); pensa e decide com tempo, não reagindo na hora; a sua visão do mundo é filtrada para ver as ondas grandes da história, não tendo problema em perder batalhas desde que a visão ("o quê" e "porquê"?) de ganhar a guerra se mantenha; quer trabalhar, ganhar e consumir moderadamente. Foge do pau e como tal é avesso ao risco; congela (freeze) quando não sabe como reagir. É mais distribuído no esforço durante o dia pelo que ao fim do dia ainda está disponível para trabalhar; acredita que o compounding das boas ações que vai tomando, com foco no futuro, vão aumentar exponencialmente em bons resultados. Foco nas ideias e materiais para estas. Vê-se via 3a pessoa , logo pensa em termos do que é o melhor para o sistema, maior transparência, mentalidade de modo aberto e win-win (focado nos fins, podendo perder no curto prazo: lose-win) e mais racionalmente; não gosta de perder tempo com novelas, nem caridade, embora queira dar rede de segurança minima para todos (pois é orientado à resolução do problema a nível sistémico, em vez de caso a caso; e acredita que segurança social aumenta empreendedorismo ao reduzir o "job lock"). Isto evita agressividade e garante tranquilidade mínima de onde contruir a vida. Se detecta corrupção, vai tentar reduzi-la. É o líderes que sabe perdoar e acredita que as pessoas evoluem e evoluem melhor se ajudadas. Mais introvertido, sente necessidade de refletir e organizar ideias a solo. Mais humilde, 1⁰ aprende e corrige-se a ele próprio. Valoriza mais em dar uma crítica construtiva (positiva ou negativa) e evitar críticas destrutivas, que a imediatidade da justiça. Consegue viver com dúvidas, perguntas por responder. Quer regras moderadas evitando autoritarismo porque uma ideia certa bem pensada é uma semente que germina com vigor independentemente das regras. É mais tolerante porque sabe que não há certezas absolutas dado que, como acredita que consegue ir redefinindo as regras base, ao tentar defini-las depara-se com uma infindade de possibilidades por avaliar (logo não é puristas/perfeccionistas nas regras, que são sempre algo de curto prazo). Evita poder, delegando responsabilidades. É o generalista curioso com tudo, que é bom para cooperação (com tendência de tentar ganhar monópolio público e denunciar monopólios privados) e é o filósofo que evita que os fogos comecem pensando no mundo ideal (tenta o perfecionismo teórico no longo prazo; tudo é um eterno esboço inacabado) sendo o tempo irrelevante e os recursos considerados ilimitados. Toma o dia-a-dia por garantido. Como é mais conformado e despretensioso, por vezes não vê fogo de longo prazo (que deveria ser sua responsabilidade) por apagar, que o estado de alta frequência vê; não sendo suficientemente progressista. É um estado sem receio da morte pois está-se à procura do sentido da vida e que as ideias correctas vençam.Uma sociedade só funciona bem quando tem as duas frequências em sintonia — como uma música com agudos e graves equilibrados. Uma precisa da outra.
Contudo temos que ter cuidado com o que misturámos: se p.e. juntarmos a cooperação da baixa frequência com o ego da alta frequência poderemos ter corrupção.
Reparo agora que há correlação com o Sistema 1 (Thinking Fast) e o Sistema 2 (Thinking Slow) de Daniel Kahneman [5]: A baixa frequência é mais confiável para sistemas complexos, corrigindo eviesamentos do Sistema 1. Já as diversas tentativas em alta frequência trazem resultados por vezes consideráveis que irão refazer os planos realizáveis em baixa frequência. Cada pessoa será melhor se conseguir usar o mais e melhor possível os 2 estados.
Para concluir:
Cooperação e Competição reforçam-se mutuamente sendo que a cooperação é a base da nossa sociedade sapiens. Isto porque a imprevisível criatividade da competição (gera inovação) precisa de uma base estrutural estável e confiável como referência (e um campo de jogo nivelado), caso contrário temos apenas caos.
A criatividade é como saltar num trampolim: só é possível se houver uma superfície firme de onde partir.
Num mundo simplificado por memes políticos e ideologias extremas, a verdadeira história é mais complexa — e mais frutífera. Construímos sociedades mais fortes quando reconhecemos que a cooperação pública e a competição privada são ambas essenciais.
Concorrência sem cooperação vira caos.
Cooperação sem concorrência vira estagnação.
Sem conflito o filme é chato, mas sem roteiro não faz sentido.
Instituições Públicas | Mercados Privados |
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Cooperação, Eficácia estratégia | Concorrência, Eficiência operacional |
Baixa frequência, longo prazo | Alta frequência, curto prazo |
Fornecem bens públicos, infraestrutura, estabilidade (continuidade) e previsibilidade | Impulsionam inovação com criatividade e empreendedorismo (disrupção), otimizam processos |
Garantem acesso equitativo aos recursos | Espicaçam a concorrência |
Estabelecem leis e regulações sobre valores partilhados | Respondem dinamicamente à demanda imediata do consumidor |
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Freakonomics Radio: An Economics Lesson from a Talking Pencil (Update) (June 10, 2025) — revisits “I, Pencil,” acknowledges its libertarian propaganda origins, and highlights public infrastructure’s role (freakonomics.com episode).
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Nobel Prize in Economic Sciences 2024 – awarded to Acemoglu, Johnson & Robinson “for studies of how institutions are formed and affect prosperity” (nobelprize.org 2024).
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AP News: 2024 Nobel economics prize goes to experts who study the role of institutions in shaping prosperity (apnews.com nobel-economics)
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John Taylor: Competition and Cooperation in Markets (2015) — highlights the balance between rivalry and shared systems in economic development (econlib.org).
Daniel Kahneman: Thinking, Fast and Slow (October 25, 2011) (portuguese book ; english book)
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